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Vida Simples

A gente gosta muito da Revista Vida Simples. Ela é a pioneira do pensamento “inspire devagar e profundamente”, “desacelere, a vida fica bem mais interessante”, “desapegue, pra que tanta coisa?” e por isso tem toda a nossa atenção! Navegando pelo site, encontramos um texto do Eugenio Mussak, que caiu como um presente pra gente.

Ele é tão bonito e acolhedor, que resolvemos compartilhar com vocês. A íntegra você encontra aqui (Edição 125). Como diz o autor… Você pode conhecer diversos lugares do mundo, só que o mais importante é aquele em que nos sentimos, de fato, em casa.

Boa leitura!

 

Foto do Arthur Marshall no Unsplash

A pessoa é que pertence ao lugar

Em francês, terra é terre, solo é sol e terreno é territoire. Mas os franceses têm mais uma palavra relacionada: o terroir. Se você estiver com tempo, paciência e disposição para ouvir uma explicação que mistura linguística, história, geografia, ciência e filosofia, pergunte a um francês, de preferência um amante de vinhos (e qual não é?), o que, exatamente, é um terroir.

Já fiz essa experiência. Um me disse algo como: “Terroir é a terra viva, a biodinâmica em ação. É o encontro de todos os componentes do solo com todos os efeitos do clima. É onde os microrganismos agem com os compostos químicos potencializados pela temperatura e pela energia do sol, produzindo vida, cuja manifestação mais nobre é a videira”. Então tá.

Outro foi além: “Terroir é o encontro sinérgico do solo com o clima e com o homem. O solo é a vida, o sol é a energia e o homem é o guardião, sem o qual o terreno não seria um terroir, pois perderia a apacidade de produzir algo excepcional”. Fico com a impressão de que a França inteira é um terroir que produz filósofos-poetas, muitas vezes mal-humorados, mas sempre encantadores.

Têm razão, meus amigos gauleses. Terroir costuma ser definido pelos especialistas como sendo um território onde a geografia, a geologia e o clima interagem favoravelmente com a genética de determinada variedade de planta, dando como resultado um produto de qualidade excepcional. Um terroir é sempre um terreno, mas um terreno nem sempre é um terroir.

Geralmente referido à produção de vinhos, o conceito também se aplica a outros produtos agrícolas, como o café, o chá e o chocolate. O que é produzido em um terroir ganha o direito de ter uma Denominação de Origem Controlada, o que aumenta seu valor e também seu preço. Sem esquecer, como disse meu amigo, a presença do guardião dessa dádiva, o homem.

Em geral muito pequenos, é na Borgonha que os lotes de videira exteriorizam melhor o espírito de um terroir. A Domaine de Romanée-Conti, para ir logo ao melhor exemplo, é uma propriedade pequena, com menos de 2 hectares. Trata-se de um terreno com 100 metros de frente e um pouco mais de fundos. Qualquer chácara de fim de semana em São Paulo tem mais que isso, só que aquele terreninho produz um dos mais admirados e desejados vinhos do mundo. Não são mais do que 500 ou 600 garrafas produzidas por ano, o que aumenta seu valor pela raridade.

Os lotes vizinhos também produzem excelentes grand crus, mas só o terroir do Romanée-Conti tem aquele solo calcário, aquela drenagem e inclinação que lhe dá a insolação absolutamente perfeita. Essa combinação única faz a fama daquele lugar desde o século 15. Só quem provou uma taça desse néctar, e se for dotado da sensibilidade necessária, pode entender o verdadeiro significado de um terroir.

Só que, como disse meu interlocutor francês, o homem é o guardião do terroir, e, como tal, passa a fazer parte dele. Em geral são pessoas que, além do conhecimento e da dedicação, são dotadas de tamanha paixão, que faz com que misturem sua vida com a daquele local. Então um terroir é uma terra com paixão. Sem esse ingrediente, será apenas um terreno.

Foto do Howard Lawrence B no Unsplash

O homem e sua circunstância

Há pessoas que parecem estar sempre no lugar errado. São as que ainda não encontraram o lugar a que pertencem ou as que não entenderam nada. Quando, depois de anos, encontrei o Aldemir, meu amigo de juventude, morando na gaúcha feliz da vida, eu lhe perguntei por que havia se mudado, afastando-se da próspera construtora que possuía em Joinville. Ele me disse com um sorriso: “Aqui encontrei o meu terroir”, fazendo jogo com o fato de estar na região vinícola do sul.

Sua afirmação me levou a considerar que meu terroir é São Paulo, o lugar onde me senti mais útil na vida, que melhor me compreendeu e aceitou. Onde meu talento valeu. Quando estou fora, sinto falta de São Paulo, da sua energia, e até do trânsito e da poluição, que não canso de criticar. É uma cidade explosiva, mas é meu lugar, e eu procuro colaborar com ele.

A relação do homem com seu lugar é lendário. O sertanejo do Nordeste resiste a sair do local seco e inóspito, assim como o sofrido beduíno saariano e o estressado executivo nova-iorquino. Quando alguém muda, das duas, uma: ou se encontra no lugar que encontra ou volta às origens.

O filósofo Ortega y Gasset sentenciou: “O homem é o homem e sua circunstância”, e com isso quis dizer que ninguém é considerado independente do ambiente em que está inserido e sobre o qual exerce sua influência. Não importa se você é um empresário, cozinheiro ou dona de casa, quem olha para você olha ao mesmo tempo para o que você faz com o que está ao redor.

Outra visão interessante sobre o assunto vem da interação dos pensamentos de dois geólogos, o alemão Friedrich Ratzel e o francês Vidal de la Blanche. Enquanto o primeiro disse, com justa razão, que “o homem é o fruto do meio“, o segundo rebateu alegando que o “o meio é fruto do homem“, com igual precisão. É verdade, pois ao mesmo tempo que recebemos toda a influência do ambiente, temos o poder de influenciá-lo e, dessa forma, modificá-lo.

O homem precisa encontrar seu terroir, mesmo que, como para o nômade, o terroir seja o caminho. O que não dá é para não pertencer, não interagir, não conviver e não melhorar.

Se o lugar onde você está tem tudo isso, então tem poesia. E não é mais apenas um lugar. É seu terroir. 

Eugenio Mussak diz que é um homem do mundo, mas que precisa ter um espaço para chamar de “o meu lugar”.

Nota do Apezinho: a gente já escreveu, com muito amor, sobre as 10 virtudes de um canto especial. <3

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