O (Fe)Lipe é um amigo querido, jornalista e agora escritor! Ele escreveu um livro muito divertido sobre as diferenças e semelhanças dos estilos de vida carioca e paulistano: Ponte aérea – Manual de Sobrevivência entre Rio e São Paulo. Nosso querido nos autorizou a compartilhar um de seus capítulos sobre as “maluquices” encontradas nos classificados. O glossário é hilário, esclarecedor e nos prepara para as cascas de banana. Boa leitura, divirta-se!
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Segue um pequeno Glossário da Bolha Imobiliária Brasileira, com termos e expressões esdrúxulas usadas por corretores e suas respectivas traduções, para te ajudar nessa experiência importante e traumática, que é a realização do sonho do endividamento próprio. Bom proveito.
Aceita financiamento: quem não aceita é o banco, já que o vendedor tem um monte de processos e o seu crédito pode não ser aprovado.
Aceita proposta: não baixa um real.
Aconchegante: fica um forno no verão.
Apartamento ventilado: tem janela.
Área de lazer: salão de festas. Só.
Área nobre: Centrão.
Área tradicional da cidade: Cracolândia.
Banco: não adianta fugir. A verdade sobre o mercado imobiliário brasileiro é que, de um jeito ou de outro, você vai dar dinheiro para eles, mesmo que vá pagar à vista ou com FGTS.
Bem localizado: serve para qualquer rua ou bairro, partindo do princípio de que o comprador tem carro e adora passar quatro horas por dia dentro dele. Deveria ser usado em anúncios de venda de automóvel.
Certidões: quem procura apartamento para comprar aprende que os vendedores do mercado imobiliário se dividem entre gente que não quer vender (que coloca anúncio só porque quer saber quanto seu imóvel vale na praça) e gente que não pode vender (porque está com o nome mais sujo do que pau de galinheiro). É apenas para saber de qual lado está o imóvel que você está negociando, que são solicitadas as inúmeras certidões negativas de débito.
Cachimbo: se não tiver um, não é um apartamento tipicamente carioca. Trata-se de um recuo inútil que a maioria dos imóveis residenciais antigos de dois quartos têm na sala, com uma janela pequena, resultando num espaço muito difícil de ser aproveitado, pois não cabe nada direito ali, nem uma mesa de jantar, nem um sofá com distância suficiente para a TV, e acaba sobrando para uma escrivaninha apertada onde fica o computador. Serve para dar espaço para o segundo quarto, retirando uma costela da sala, mas, em geral, te impede de fazer qualquer decoração com dignidade no ambiente. Provável resultado da posição dos prédios, sem distância para a construção vizinha, só permitindo janelas na frente da casa e nos fundos.
Casario nas proximidades: favela. (Juro que já ouvi essa expressão de uma corretora de imóveis no Rio.)
Compacto: apartamento para anão. Solteiro.
Dúplex dois quartos: um quarto com puxadinho.
Excelente metragem: só isso que presta no imóvel. Ideal para você que quer plantar soja em Pinheiros ou Botafogo.
Exclusivo: sim, é o mesmo que outros cinco corretores já te ofereceram.
Imóvel totalmente desembaraçado: está no começo do inventário.
Incorporadora supercorreta: quando o corretor diz isso, ele quer dizer que ele mesmo tem um processo trabalhista contra a incorporadora. Mas foi só para dar um susto neles, ele jura.
Interfone: meu amigo, quando o anúncio coloca interfone e salão de festas como “benefícios”, prepare-se, porque é uma bomba.
Inquilino: o cara que vai infernizar sua vida e fazer de tudo para não te entregar o apartamento que não é dele. Isso, se ele te permitir visitar o imóvel para conhecer.
Loft: quitinete reformada.
Milhão: são os novos R$ 200 mil.
Necessita modernização: derrubadaço. Você vai ter que colocar o apartamento abaixo se quiser um dia chamá-lo de lar.
Open space: quitinete.
Ótimo para criar plantas: e fungos. Gelado e úmido. Péssimo para seres humanos e animais.
Padrão ou original: o apartamento está “no padrão” ou “todo original” quando ainda tem os mesmos azulejos azul-calcinha dos anos 1940 (e os fungos dos 1950, 1960 e 1970 em diante) e instalações hidráulicas e elétricas compatíveis, logicamente. Um lixo.
Perto do metrô: se você tiver carro.
Posso me mudar em 15 dias: frase dita pelo vendedor quando ele quer dizer “vou morrer nesse prédio, porque nem comuniquei ao resto da família sobre a venda do apartamento ainda”.
Preços exagerados: quando o corretor fala isso do mercado, é porque ele mesmo vai te oferecer o mesmo apartamento pelo dobro do valor daqui a alguns meses.
Prédio com serviços: tem porteiro. E elevador.
Pronto para morar: se você gostar de armários dos anos 1970, sinteco dos anos 1980, pintura dos anos 1990 e encanamento dos anos 1940.
Quadríssima: gíria brega do mercado imobiliário carioca para valorizar um imóvel e dizer que fica na quadra da praia.
R$ 500 mil: não vale R$ 300 mil.
Sala aconchegante: não cabe uma mesa.
Sinal: nome gentil para qualquer valor acima de R$ 100 mil que não sirva para dar qualquer garantia ao comprador.
Studio: quitinete.
Tem história: mal-assombrado.
Tem inquilino: quase a mesma coisa.
Terceiro quarto reversível: quarto de empregada anã que dorme em pé, sem janelas mesmo, reversível em uma sapateira. Ou masmorra.
Varanda: área de serviço.
Vendedor idôneo: é o que tem só meia dúzia de execuções fiscais e outros três processos trabalhistas nas costas.
Vende logo: sim, esse apartamento é o mesmo que você já viu anunciado em diversas imobiliárias, por preços diferentes, nos últimos seis meses.
Vista: eu não falei que tinha “vista”, eu quis dizer que só aceita “pagamento à vista”.
Vista devassada: devassada pela especulação imobiliária.
Vista livre: livre de beleza.
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