Há dias penso em um grande sujeito que conheço, funcionário público e pintor nas horas vagas, que acabou de pintar meu apartamento e, por conta disso, tivemos uma longa convivência. Ele é um cara com coração enorme, super educado, casado, dois filhos adultos, mas que não consegue se organizar financeiramente. Vou chamá-lo de Sr. J, mas não é ficção, ele é de carne e osso. Atualmente mais de carne, pois está cultivando uma considerável barriguinha!
Embora eu tenha tentado fazê-lo entender sobre a importância de planejar gastos, o Sr. J não consegue ou não tem coragem de encarar a sua família e cobrar uma atitude mais colaborativa de todos. Ano passado todos estavam empregados, mas agora estão sem emprego, com exceção dele mesmo. Essas coisas acontecem, mas o que não me parece normal é que eles levem a mesma vida em relação aos seus gastos. De vez em quando, ele não tem dinheiro para pagar o aluguel, mas, adivinhem, a família comprou um carro financiado!!!
Há um ano um acidente com o tal carro obrigou o Sr. J a fazer horas extras, antecipar o dinheiro das férias, arranjar novos trabalhos etc. Além das prestações atrasadas do financiamento do carro, também atrasou o aluguel por vários meses. Mesmo depois de tudo isso, adivinhem, eles continuam com o carro!!!
Quando a pintura do meu apartamento já estava mais próxima do final, perguntei se ele queria algum adiantamento. Ele respondeu que não seria uma boa ideia, pois era sexta-feira e em breve venceria o aluguel. Ele preferia não receber antes disso, pois poderia acabar gastando o dinheiro no final de semana. Identifiquei nessa resposta um pequeno avanço e admissão da impotência em administrar a situação. O caso é complexo. Parece um misto de compulsão com falta de disciplina e, talvez, necessidade de mostrar à família que dinheiro não é um problema.
Essa história do Sr. J me transportou para o passado, desculpem a catarse, é que meu pai também era funcionário público e pagamos aluguel por muito tempo! O que tenho de mais fresco na memória era o ritual ao final de cada mês, quando sentávamos à mesa e meu pai abria seu caderno de capa dura com a relação das despesas do mês (precursor da planilha!). Ele ia escrevendo e repetindo em voz alta os valores que seriam alocados para cada despesa.
Minha mãe quase sempre contra-argumentava dizendo que era pouco para o supermercado ou para alguma outra coisa. Aí ele ponderava, pensava, falava sobre as limitações financeiras até chegarem a um acordo. Lembro-me que foi num desses “conclaves” que percebi que havia um superávit e me atrevi a insinuar que poderia ser agraciado com alguns trocados para reforçar os lanches no colégio ou qualquer outra desculpa. Ele me olhou, pensou e colocou um pequeno valor, que, para minha surpresa, se repetiu nos meses seguintes. Eu havia sido agraciado com uma mesada!
Ao reler o texto, vejo que a dinâmica do meu pai é exatamente a que se tem em qualquer empresa quando orçamentos são discutidos: análise de prioridades e alocação mensal do dinheiro. Na minha casa, primeiro vinham as despesas fixas, tais como aluguel, luz, água, gás, depois a comida, em especial, a carne, pièce de résistance na mesa de qualquer gaúcho, e depois as coisas de menor prioridade. No final o resultado tinha de ser positivo, senão algo teria ser cortado. Pode ser difícil, mas é assim que tem que ser.
Incrível, mas nunca havia me dado conta do papel que isso pode ter desempenhado na minha vida. Sempre fui tão preocupado em não gastar mais do que ganhava, em ter reservas financeiras para enfrentar os imprevistos, em suma, em ter o controle financeiro da minha vida. Devo isso a ele.
Fico preocupado com a mensagem que o Sr. J NÃO está passando aos seus filhos: disciplina, não gastar mais do que se ganha, não assumir despesas (tipo comprar um carro) que não se possa pagar etc. Imagino que o pai do Sr. J também não lhe passou esse tipo de ensinamento e que os filhos do Sr. J também não o farão. Já perceberam como é incrível o efeito que um elo partido em uma corrente pode provocar? Mesmo que este não seja o seu caso (torço para que não seja), pode ser o de alguém que você conheça. Se você puder, ajude-o a não passar esse comportamento adiante. Vamos tentar reparar este elo partido para fortalecer de uma vez por todas a corrente!!!
Conte comigo pra te ajudar nessa empreitada!
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Em tempo! Queria me desculpar com quem se sentiu ofendida no post anterior quando falei sobre os “sapatinhos”. Saiu tão naturalmente, que não imaginei o estrago que poderia fazer. Minha mulher adora sapatos (e bolsas, roupas, livros e tudo o mais também). Suas amigas também não são muito diferentes. E elas são pessoas bem sucedidas profissionalmente, nada fúteis, pelo contrário. Eu achei que isso ia passar “batido”, porque, cá prá nós, esse negócio de falar sobre economia doméstica pode ficar muito chato se a gente não der uma aliviada de vez em quando, não é? Como a minha revisora não comentou nada, não me preocupei, santa ingenuidade… Doeu, mas tudo bem, sobrevivi ao linchamento virtual e aprendi mais uma bela lição!!!
12 Comentários
Parabéns pelo texto, adorei!
Obrigado, Karina !!!
Boa garoto !
Vou apertar o sinto aqui em casa.
Obrigado,
Você já é um cara muito controlado, pode manter o cinto como está.
Obrigado pela presença !!!
Abraço
Adorei seu texto, Renato! E é muito curiosa mesmo essa relação entre as famílias e as finanças. Meus pais têm jeitos totalmente opostos de tratar suas economias. Minha mãe é bem mais controlada com tudo (às vezes até demais haha). Acho que até os meus 30 anos eu era mais parecida com o meu pai nesse ponto. Agora estou me tornando a minha mãe, fazendo contas, sempre tendo uma reserva, nunca entro no vermelho. E fico preocupada (que nem ela) com as pessoas que gastam além da conta. Seu post me trouxe várias reflexões. muitos beijos
Obrigado, Josy.
Esse texto tb me trouxe muitas lembranças legais que estavam guardadas em algum canto do meu HD cerebral e que me ajudaram a explicar e entender algumas coisas.
Adorei tb o seu texto sobre “Alugar ou Comprar?”, vc tem uma rara capacidade de explicar com simplicidade as coisas complicadas. Estou escrevendo um texto sobre poupança e vou ter de me inspirar muito na sua didática. Bj
Renato, adorei o texto. Foi muito bom ler. Tenho que prestar atenção em tudo o que você falou , e pra mim é muito dificil. Meu pai sempre foi extremamente controlado,mas nunca nos ensinou sobre isso. Eu sou totalmente desorganizada e sei que teria muita folga se SOUBESSE como fazer esse planejamento financeiro.Não deve ser fácil se acostumar a isso. Hoje tenho meu apartamento, meu caro, nada financiado,mas poderia viver muito mais folgada se soubesse administrar o que ganho.Sou prestadora de serviço e nunca tive um emprego.Sei que ja é uma vitória, mas não é o que eu acho que deveria ter. Ja devia ter uma bela reserva, um outro imóvel,no mínimo para alugar, e algum planejamento para um ganho paralelo. Mas, sou sem senso administrativo. Você disse que ta aí pra ajudar… então? Tem algum passo a passo? Obrigada pelo texto.
Obrigado, Monica !!! Estou escrevendo um novo texto sobre poupança que talvez possa te ajudar, mas o mais importante de tudo ainda é se impor alguma disciplina, que é o que realmente faz a diferença, pois mesmo os melhores planos se não forem bem implementados tendem a fracassar. Não sei se vc teve a chance de ler os textos anteriores, mas a idéia de ter um plano de voo (tb conhecido por orçamento) ajuda muito nesse processo. Pode ser naquele caderno de capa dura, em uma planilha no computador ou até mesmo em um desses programas para smartphones (minha opçao pessoal), o que importa é escolher aquele que seja mais amigável para vc e mãos-à-obra !!! Até a próxima !!!
Renato, em primeiro lugar: desculpa também por que fui uma das que ficaram “chateadas” com a história dos “sapatinhos”: pura bobagem minha ter sido tão incisiva nos comentários (alguém já me disse que quando algo incomoda muito é porque, talvez, a carapuça serviu… rs). Gosto bastante do Apezinho (indicação do Vida Organizada) e de seus textos. Organização financeira está entre meus objetivos de longo prazo, já comecei, tropeço, mas continuo a caminhada. Obrigada pelos textos e pela generosidade.
Sem problemas, Conceição. Obrigado por sua gentileza e por continuar nos acompanhando. Quanto ao tema organização financeira, é assim mesmo, nem sempre é uma llinha reta, mas o importante é se levantar, sacudir a poeira e continuar a caminhada. Boa sorte !!!
Oi Renato, gostei do texto, realmente devemos saber planear as nossas despesas, definir prioridades e saber o que é e o que não é prioritário. Eu e o meu marido sempre planeamos nossso orçamento mensal e isso tem-nos ajudado muito; concerteza passaremos esse ensinamento para os nossos filhos. Um óptimo dia para ti. Beijinhos
É isso mesmo, Telma, boa sorte para vc e seu marido, vcs estao no caminho certo. Obrigado.